A mandíbula é o único osso móvel da face e participa de funções básicas como mastigação, fonação, deglutição e manutenção da oclusão dentária. É um dos locais mais atingidos por traumas na região facial e muitas vezes as fraturas de côndilo não são diagnosticadas, principalmente quando são resultantes de fraturas na região de sínfise e/ou parassínfise mandibular. Traumas na região do processo condilar da mandibula podem levar a alterações no desenvolvimento facial, na oclusão e na movimentação da articulação temporomandibular (ATM), levando a uma situação de impossibilidade de abertura satisfatória da boca (ANDRADE FILHO, 2003).

A articulação temporomandibular (ATM) é área onde a mandíbula se articula com o osso temporal do crânio e é considerada uma das articulações mais complexas do corpo. É formada pelo processo condilar da mandibula e pela fossa mandibular (cavidade glenóide) do osso temporal separados por um disco. É classificada como articulação composta, uma vez que o disco articular é considerado um terceiro osso não calcificado. Também é classificada como tipo sinovial, com movimentos complexos de abertura, fechamento, lateralidade, retrusão e protrusão, com rotação e translação do côndilo mandibular. O disco articular é composto de tecido conjuntivo fibroso denso, na maior parte desprovido de vasos sanguíneos e fibras nervosas, sendo na periferia externa do disco ligeiramente inervada. O liquido sinovial preenche a cavidade e tem por finalidade prover necessidades metabólicas para os tecidos articulares e atuar como lubrificante entre as superfícies articulares durante a função (OKESON, 2013).

 

FM: Fossa Mandibular do osso temporal
EM: Eminência Articular do osso temporal
Fonte: (OKESON, 2013).

 

TR: Tecido Retrodiscal
PLS: Músculo Pterigoideo Lateral Superior
Fonte: (OKESON, 2013).

Existem três ligamentos funcionais que sustentam a ATM: (1) ligamento colaterais (discais) que permitem a movimentação passiva do disco e o esforço sobre esse ligamento pode causar dor (2) ligamento capsular, que envolve a articulação e retém o líquido sinovial e o (3) ligamento temporomandibular, que proporciona um limite na abertura da boca e o movimento normal de abertura, assim como a abertura rotacional, encontrada somente em humanos. Além dos principais, existem dois ligamento acessórios (1) ligamento esfenomandibular e o (2) ligamento estilomandibular. O ligamento efenomandibular se origina na espinha do osso esfenóide e se insere na língula da mandíbula na superfície medial do ramo da mandíbula e não possui efeito limitador significante no movimento mandibular. O ligamento estilomandibular se origina no processo estolóide do osso temporal e se insere até o ângulo e a borda posterior do ramo da mandíbula e limita o movimento excessivo de protrusão da mandibular (OKESON, 2013).

Ligamentos acessórios da ATM
Fonte: (OKESON, 2013).

Os movimentos da ATM são produzidos principalmente pelos músculos da mastigação:

  • Masseter
    1. Função: Elevação, oclusão e contribui para a protrusão da mandíbular
    2. Origem: processo zigomático da maxila (PS) e 2/3 anteriores da borda inferior do arco  (PP) zigomático.
    3. Inserção: Ângulo (PP) e metade inferior da superfície lateral do ramo da mandíbula (PS)

Músculo Masseter.
PP: Porção Profunda
PF: Porção Superficial
Fonte: (OKESON, 2013).

  • Temporal
    • Função: Elevação e retração (retrusão) da mandíbula
    • Origem: Linha temporal superior
    • Inserção: Borda anterior do processo coronóide e borda anterior do ramo da mandíbula

Músculo Temporal.
Fonte: (OKESON, 2013).

  • Pterigóideo medial
    • Função: Elevação da mandíbula e contribui para a protrusão
    • Origem: Superficie medial da lamina lateral do pterigóideo e superfície estriada do processo piramidal do osso palatino
    • Inserção: parte inferior e posterior da superfície medial do ramo e do ângulo da mandíbula (altura do forame mandibular)

 

Músculo Pterigóideo Medial.
Fonte: (OKESON, 2013).

Músculo Pterigóideo Lateral.
Fonte: (OKESON, 2013).

  • Pterigóideo lateral
    • Função: Depressor e protrusão da mandíbula, movimentos de laterização e abertura de boca
    • Origem: Porção inferior da superfície lateral da asa maior do osso esfenoide e da crista infra temporal (superior), superfície lateral da lâmina lateral do pterigóideo (inferior)
    • Inserção: Colo do côndilo da mandíbula e margem frontal do disco articular (superior), colo do côndilo da mandíbula (inferior).
  • Digástrico
    • Função: abaixa (depressor) a mandíbula e elevação do osso hioide
    • Origem: bordo inferior da mandíbula na face interna próximo a sínfise (porção anterior), processo mastóide do osso temporal (porção posterior)
    • Inserção: tendão ligado ao osso hioide. O digástrico anterior se liga ao  tendão do digástrico posterior e vice-versa.

Músculo digástrico posterior e anterior
Fonte: (OKESON, 2013).

Na ATM normal as superfícies são morfologicamente adaptadas, seus tecidos são saudáveis (ossos, ligamentos, tendões e sistema vasculonervoso), apresenta remodelação óssea funcional para a para a manutenção da massa óssea, responsável por parte do crescimento mandibular, seus movimentos são indolores, as cargas funcionais são distribuídas adequadamente, há estabilidade funcional da mandíbula e não causa alterações patológicas na oclusão (SIQUEIRA, 2012).

Em relação a classificação do tipo de fratura no côndilo, podem ser: (1) unilaterais ou bilaterais sem luxação e com desvio ou não do côndilo com o resto da mandíbula e (2) unilaterais ou bilaterais com luxação. Em um estudo por Smets, 2003, as fraturas condilares foram classificadas de acordo com MacLennan (1952), Lindahl (1977a) e Bradley (1985), sendo divididas anatomicamente em (1) cabeça condilar (intracapsular), (2) colo (pescoço) do condilo (extracapsular), subdivididas em alta e baixa ou (3) subcondilar (extracapsular).

Como sinais e sintomas de fratura condilar temos, além da dor, a limitação do movimento da mandibular, alteração da oclusão dentária, assimetria facial associado ao desvio de mento, retroposicionamento mandibular quando ocorre fraturas bilaterais, desvio mandibular da abertura bucal limitada em fraturas unilaterais. Além do exame clínico, no qual o diagnostico é essencialmente baseado, os exames radiográficos ajudam na análise de fratura do côndilo da mandíbula, como a radiografia Póstero Anterior (P.A.) de Towne e a tomografia computorizada Cone Beam com feixe cônico (CBCT), esta última permite uma análise mais segura, livre de distorções do tecido ósseo e da fratura.

 Tratamento Funcional

O tratamento dessas fraturas visa o restabelecimento da relação oclusal inicial e função fisiológica da ATM. O objetivo maior no tratamento de fraturas mandibulares é restaurar a estrutura para que volte a ter uma função adequada, com a técnica de menor morbidade, que proporcione uma união sólida dos sítos de fratura, com uma boa oclusão dentária, por meio de redução (reposicionamento do fragmento), fixação (mantenimento da posição do fragmento) e contenção ( MONNERAT, 2017).

As modalidades de tratamento, apresentam muitas controvérsias, uma vez que o côndilo, está ligado com a ATM que possibilita os movimentos da mandibula e relaciona-se com diretamente com a oclusão dentária. A escolha do tratamento depende da idade do paciente, o tipo de fratura e o grau de alteração functional.

O tratamento functional em fraturas de condileanas é considerado de eleição, uma vez que o tratamento cirúrgico pode acarretar em diversas complicações como, a paralisia facial, cicatrizes hipertróficas (semelhante a quelóides) e fistulas relacionadas a glândula parotida, entre outras.

O tratamento funcional consiste em redução fechada com fixação/bloqueio maxilo-mandibular (BMM) rígidos ou elásticos, alívio sintomático e dieta liquida/pastosa, seguido de fisioterapia functional. A estimulação dos músculos da mastigação, principalmente o pterigoideo lateral favorece e orienta o reparo e remodelamento ósseo. Entre as desvantagens deste tratamento estão a atrofia dos músculos da mastigação, dificuldade de alimentação, higiene oral, comunicação e algumas implicações sociais.

O tempo de BMM também depende do local da fratura, se ocorrer na região de cabeça condilar (intracapsular), o risco de anquilose é aumentado e neste caso o tempo de BMM é diminuído, sendo inferior a 15 dias em adultos e 10 dias em crianças, já na região extracapsular, o BMM rígido permanence por 30 dias.

É recomendável a remoção da fixação em crianças uma vez por semana e promover sessões de fisoterapia e nos adultos a cada 2 semanas, com sessões de fisoterapia, para evitar anquilose. Os pacientes infantis devem ter acompanhamento durante toda a fase de crescimento. O aparelho deverá ser retirado somente após a confirmação dos resultados obtidos.

Os exercícios fisioterápicos podem ser isoméricos (fortalecimentos dos músculos e coordenação), repetitivos (melhora da biomecânica da ATM) e posturais (redução esforço muscular e articular) e alongamentos, consistindo então em uma série de movimentos com o objetivo de melhorar a mobilidade.

Portando, fraturas no côndilo mandibular, se não tratadas no inicio podem trazer diversos prejuízos funcionais como a limitação de abertura da boca e desvio para o lado da fratura, mastigação unilateral do lado afetado, redução dos movimentos e da articulação, assimetrias faciais ósseas e musculares, principalmente em crianças e adolescente, além de anquiloses temporo-mandibulares. Desta forma, o diagnóstico precoce e o envolvimento de profissionais de outras especialidades como fonoaudiólogos e ortodontistas, é primordial para o desenvolvimento e o sucesso do tratamento com a devolução da função ao paciente.

A redução fechada com bloqueio maxilomandibular (BMM), seguido de fisioterapia, deve ser utilizado como a terapêutica inicial de fratura condileana, contudo, se não houver a cooperação do paciente durante a fisioterapia, o tratamento funcional não terá sucesso e nestes casos, o tratamento cirúrgico deverá ser considerado, ou ainda em casos de limitação da função devido a severo deslocamento do processo condilar fraturado e impossibilidade de colocação dos dentes em oclusão para a realização de redução fechada.

 Referências

ANDRADE FILHO, Eduardo Fausto de et al . Fraturas do côndilo mandibular: análise clínica retrospectiva das indicações e do tratamento. Rev. Assoc. Med. Bras.,  São Paulo ,  v. 49, n. 1, p. 54-59,  Jan.  2003

SIQUEIRA, J.T.T. & TEIXEIRA, M.J. Dores Orofaciais – Diagnóstico e Tratamento. São Paulo: Editora Artes Médicas, 1a ed., 2012

OKESON, J.P. Tratamento Das Desordens Temporomandibulares. Ed Elsevier, 7a edição, 2013

Smets LM, Van Damme PA, Stoelinga PJ. Non-surgical treatment of condylar fractures in adults: a retrospective analysis. J Craniomaxillofac Surg. 2003;31(3):162-7.

MONNERAT, LUIZ HENRIQUE PIMENTEL et al. Tratamento conservador de fratura de mandíbula: relato de caso clínico. REVISTA UNINGÁ, [S.l.], v. 17, n. 1, out. 2017

AO Foundation CMF – AO Surgery Reference. 2011